sábado, outubro 29, 2005

Laicismo e laicidade



Em 1905, promulgava-se em França perniciosa lei anticlerical, pretendendo que os leigos, e não mais o Papa, elegessem os Bispos, instituindo associações culturais no lugar das Dioceses, confiscando os bens eclesiásticos a pretexto de separação entre Igreja e Estado, e também, invocando o mesmo motivo, acabando, na prática, com a educação religiosa confessional. Era a vitória do laicismo, programa de feições liberais que estabeleceu sua sede no país outrora denominado “filho primogênito da Igreja” e cujo chefe de Estado goza até hoje do título de Primeiro Cônego Honorário do Cabido de São João do Latrão, a catedral do Sumo Pontífice em Roma.

Importa diferenciar os termos e precisar as expressões. Quando a doutrina católica se opõe à separação entre Igreja e Estado não está a canonizar a confusão entre os dois entes nem a defender a subordinação direta de um ao outro. Pelo contrário, sempre foi pacífico entre os melhores teólogos e cristalino no Magistério dos Papas a tese de que, em seus campos próprios – a sociedade espiritual e a temporal, a vida religiosa e a civil –, Igreja e Estado são soberanos e independentes, cada qual exercendo sua máxima e natural autoridade no âmbito que lhes compete. Desse modo, não cabe à Igreja imiscuir-se em assuntos meramente civis nem ao Estado intrometer-se no plano diretamente religioso. Isso é laicidade, é reconhecer a independência das duas esferas.

Muito distinto desse ensino é o laicismo, que pretende não só o reconhecimento dos dois campos, como uma radical separação entre eles. Ora, o homem-religioso também é um homem-súdito, um homem-cidadão, de maneira que extremar tais qualidades é um desrespeito à realidade dos fatos. Se faz parte do dogma católico a sustentação da laicidade – independência e soberania do Estado e da Igreja, com a conseqüente condenação da confusão entre ambos ou da subordinação direta de um a outro –, igualmente verdadeira é a rejeição ao postulado da separação radical. Melhor expressão, a resumir o pensamento eclesiástico, é “mútua colaboração”.

Refutamos, evidentemente, a supremacia direta da Igreja sobre o Estado, eis que a cada um compete a gestão de seus negócios específicos. Entretanto, em uma Nação católica não pode o Estado ignorar os benefícios de uma aliança com a Igreja.

Ao mesmo tempo em que rechaça as indevidas ingerências do plano espiritual no temporal, e deste naquele, proclama a Igreja que uma separação sua do Estado não é sadia. Os extremos devem ser evitados, e uma correta autonomia de colaboração, como vem salientando Bento XVI, se alcança quando os postulados tradicionais católicos em matéria social são implantados. Basta ler, entre outras, a Gaudium et Spes, do Vaticano II (interpretando conforme a Tradição), o Catecismo, a Quanta Cura, do Beato Pio IX, a Quas Primas, de Pio XI, e a monumental Immortale Dei, de Leão XIII, tão esquecida pelos “católicos progressistas” – que, ao invés de defender os direitos de Deus e os interesses de Cristo Rei, fazem pacto com os inimigos da Igreja e, em nome da católica laicidade, propagam o funesto laicismo.

Há 100 anos a França de São Luís IX, de Santo Hilário de Poitiers, de Santo Irineu de Lion, de Carlos Magno, de Santa Teresinha, de São Martinho de Tours, voltava a declarar guerra a si mesma, ao perseguir a Fé Católica que a moldara com Clóvis e Santa Clotilde. Na mesma época, reagiu o povo católico tendo a frente o grande Papa São Pio X, com sua Encíclica Vehementer Nos. Hoje, quando o novo laicismo investe contra a Civitas Dei, proibindo o uso público de sinais religiosos nas escolas (ou tentando o banimento dos crucifixos no Judiciário gaúcho, em nítido contraste com a fé da maioria de nosso povo), impedindo que cristãos preguem sua doutrina moral contra o homossexualismo e o aborto, etc, o que faremos nós?

Distinção, sim, entre Igreja e Estado. Nunca separação. “Não se deve ceder às pretensões de quem, amparando-se em uma errônea concepção do princípio de separação Igreja e Estado (...), tenta reduzir a religião à esfera meramente privada do indivíduo.” (João Paulo II. Discurso ao Embaixador do México à Santa Sé, 24/02/2004)

Unidos ao Papa, é preciso um novo levante! Cordial, pacífico, ordeiro e legal... Mas corajoso, decidido, firme e eficaz!

Um comentário:

Anônimo disse...

Voce tem alguma relacao com o Julio Lemos? Ele tinha o blog chamado Comentário Ultramontano, e até os assuntos abordados são parecidos...

Cân. 750 – § 1. Deve-se crer com fé divina e católica em tudo o que se contém na palavra de Deus escrita ou transmitida por Tradição, ou seja, no único depósito da fé confiado à Igreja, quando ao mesmo tempo é proposto como divinamente revelado quer pelo magistério solene da Igreja, quer pelo seu magistério ordinário e universal; isto é, o que se manifesta na adesão comum dos fiéis sob a condução do sagrado magistério; por conseguinte, todos têm a obrigação de evitar quaisquer doutrinas contrárias.

§ 2. Deve-se ainda firmemente aceitar e acreditar também em tudo o que é proposto de maneira definitiva pelo magistério da Igreja em matéria de fé e costumes, isto é, tudo o que se requer para conservar santamente e expor fielmente o depósito da fé; opõe-se, portanto, à doutrina da Igreja Católica quem rejeitar tais proposições consideradas definitivas.

Cân. 752 Não assentimento de fé, mas religioso obséquio de inteligência e vontade deve ser prestado à doutrina que o Sumo Pontífice ou o Colégio dos Bispos, ao exercerem o magistério autêntico, enunciam sobre a fé e os costumes, mesmo quando não tenham a intenção de proclamá-la por ato definitivo; portanto os fiéis procurem evitar tudo o que não esteja de acordo com ela.