terça-feira, novembro 28, 2006

Carlos d’Áustria. Quem tem medo do beato?

Pressionado por Napoleão, o Imperador Francisco II de Habsburgo abdicou do trono do Sacro Império Romano Germânico, o que fez surgir os Estados alemães setentrionais independentes, logo reagrupados na Confederação do Reno e, mais tarde, no Império Alemão, o II Reich do Kaiser e de Bismarck. A Áustria, terra natal da Casa de Habsburgo, converteu-se, com o apoio do sul da Alemanha e das possessões italianas e balcânicas do antigo Sacro Império, na sucessora deste. O novel Império Austríaco erigia-se em continuador da história e das tradições daquele que o laicismo napoleônico pretendia destruir.

Como do Império de Carlos Magno broto o de Otão I – governado, a partir de 1438, pelos austríacos Habsburgo –, do último, fragmentado, nasceu o que viria a encarnar, como os precedentes, os valores cristãos e humanistas, e, apesar dos percalços, dos absolutismos, e dos erros comuns a qualquer agrupamento social, o passado de glórias medievais. O Sacro Império e o Império Austríaco, ambos sob os Habsburgo, seriam símbolos da ordem celeste no campo secular.

Exatamente por isso, as mesmas forças revolucionárias – Napoleão foi o responsável pela internacionalização do laicismo francês de 1789 – que destruíram o Sacro Império, mancomunaram-se, finda a I Grande Guerra, para a supressão do Império Austríaco, que lhe tomou o lugar. O ódio à Áustria tradicional era herdeiro da aversão ao I Reich inaugurado por Otão. Na realidade, o combate mais profundo se travava contra a Fé Católica, protegida primeiro pelo Sacro Império, depois, com a queda deste, pelo Austríaco. Aproveitaram-se os laicistas das culpas do governo (não do Estado) contra as minorias eslavas para decretar o fim de uma dinastia.

Ressaltando o papel do último Imperador da Áustria, João Paulo II o beatificou em 2004. Carlos I de Habsburgo, católico fidelíssimo ao Papa, de vigorosa vida de oração e senso de apostolado, não só cultivou heroicamente as virtudes em um tempo dos mais confusos e decisivos para a Cristandade – em que ruíram, além do católico Império Austríaco, o protestante Império Alemão (sucessor da Alemanha desunida por ocasião da queda do Sacro Império), e o ortodoxo Império Russo dos czares –, como se impôs contra os desmandos e abusos de seus ministros. Estes, interessados em continuar a aliança com a Alemanha e a guerra contra o restante do Ocidente para alargar seu sufocante despotismo sobre a Europa, isolaram Carlos, seu monarca, por influência de Bento XV, Papa da época, desejava cessar os combates. Percebeu o Imperador que os motivos da luta não eram justos e sua consciência cristã, formada aos pés do Santíssimo Sacramento, tencionou, de um modo que, ao mesmo, não sacrificasse sua soberania e fosse o mais prudente possível, acabar com a I Guerra Mundial. Na prática, os opositores, que ocupavam o governo de seu próprio país, o apeariam do trono, aliando-se aos liberais, que não toleravam uma Áustria sacral, pujante e militantemente católica. O fim do Império dos Habsburgo tornou-se, assim, um duro golpe nos direitos da Igreja e da paz, e um decisivo passo para, abatida a fiel casa dinástica, popularizar-se a cartilha iluminista na Europa do pós-guerra.

Os que forçaram a queda do Sacro Império e explodiram a Áustria monárquica são hoje os adversários da futura canonização de Carlos I, inventando legendas negras e atribuindo-lhe a pecha de belicista, autoritário e culpado pela deflagração mundial. Nada mais equivocado – é o que afirmam historiadores sérios e descomprometidos com as ideologias da moda, como Giuseppe Dalla Torre, reitor da Universidade Maria Ssma. Assunta, de Roma, que atribui à opinião pública anticlerical a orquestração contra a santidade do Imperador: “uma opinião pública”, acrescenta, “que foi substancialmente a mesma que impediu Carlos de levar a cabo seus projetos de paz do exterior e de reformas dentro do império austro-húngaro, e que o conduziu à perda do trono.” (Zenit, 7/1/05)

A oposição à beatificação de Carlos I é resultado do ódio à fé e à Europa profunda, da ação laicista e anticristã contra o Estado católico por excelência que era a Áustria, o qual é urgente que seja restaurado (pela evangelização da sociedade e recuperação dos valores próprios e naturais de seu povo). A santidade também pode ser alcançada pelos soberanos, e os Estados, se desejam representar, com legitimidade, as sociedades que neles se inserem, não devem se furtar à benéfica influência da fé popular. É a isso que os inimigos dos Habsburgo e do Beato Carlos, ontem como hoje, tanto se opõem.

Um comentário:

Ecclesiae Dei disse...

Há tempos não visitava este blog. Está melhor do que nunca. Belo trabalho!
Aprendi muito no tempo que passei por aqui.
Abraços

Cân. 750 – § 1. Deve-se crer com fé divina e católica em tudo o que se contém na palavra de Deus escrita ou transmitida por Tradição, ou seja, no único depósito da fé confiado à Igreja, quando ao mesmo tempo é proposto como divinamente revelado quer pelo magistério solene da Igreja, quer pelo seu magistério ordinário e universal; isto é, o que se manifesta na adesão comum dos fiéis sob a condução do sagrado magistério; por conseguinte, todos têm a obrigação de evitar quaisquer doutrinas contrárias.

§ 2. Deve-se ainda firmemente aceitar e acreditar também em tudo o que é proposto de maneira definitiva pelo magistério da Igreja em matéria de fé e costumes, isto é, tudo o que se requer para conservar santamente e expor fielmente o depósito da fé; opõe-se, portanto, à doutrina da Igreja Católica quem rejeitar tais proposições consideradas definitivas.

Cân. 752 Não assentimento de fé, mas religioso obséquio de inteligência e vontade deve ser prestado à doutrina que o Sumo Pontífice ou o Colégio dos Bispos, ao exercerem o magistério autêntico, enunciam sobre a fé e os costumes, mesmo quando não tenham a intenção de proclamá-la por ato definitivo; portanto os fiéis procurem evitar tudo o que não esteja de acordo com ela.