sexta-feira, outubro 13, 2006

Algumas questões sobre o Instituto Bom Pastor

Alguns leitores nos escreveram, um tanto perturbados com os comentários que o Prof. Orlando Fedeli, presidente da Associação Cultural Montfort, em São Paulo, proferiu acerca da recente e jubilosa ereção Instituto Bom Pastor. Fazem parte dele pessoas que querem celebrar a liturgia tal e como estava em vigor na Igreja latina até o ano 1962.

Segundo notícia da Agência Zenit, essa nova entidade foi erigida para promover a chamada Missa “tradicional” e possibilitar o ingresso daqueles sacerdotes particularmente ligados a essa disciplina litúrgica. “Cinco sacerdotes e seminaristas, que em sua maioria haviam pertencido à Fraternidade Sacerdotal São Pio X, fundada pelo arcebispo Marcel Lefebvre, regressaram à comunhão plena com a Igreja Católica e fundaram o Instituto do Bom Pastor (...) O cardeal Ricard, que é também presidente da Conferência Episcopal da França, explica que «o próprio Papa tomou a decisão de erigir este novo Instituto. Nesta decisão, dá-se a vontade de propor uma experiência de reconciliação e de comunhão que terá que afirmar e aprofundar-se com os fatos. Por este motivo, os estatutos deste Instituto são aprovados ‘ad experimentum’ por um período de cinco anos».”. (ZP06091008)

O sacerdote designado como Superior Geral do Instituto Bom Pastor, Pe. Philippe Laguérie, em seu discurso proferido na igreja de Saint Eloi, dia 10 de setembro de 2006, deu importantes pistas acerca do funcionamento desta sociedade de vida apostólica. Entretanto, o caríssimo Prof. Fedeli foi impreciso, ao ver nessas pistas tendências tradicionalistas e não tardou para, distorcendo as palavras do reverendo padre em questão, concluir que os membros do Instituto Bom Pastor têm o direito estatutário de criticar a doutrina do Vaticano II.

Será que é isso que está dito no discurso? Vejamos.


Há questões teológicas pontiagudas, em particular aquelas concernentes ao Concílio Vaticano II. Sobre este ponto nós temos a obrigação, também, o que é inesperado, de trabalhar, sob a condução do Papa, pois somente ele pode fazer isso, de restabelecer a autenticidade da doutrina católica”.

Aqui não há nada de novo. Realmente, há questões pontiagudas em relação ao Vaticano II. Com isso, entretanto, não se está criticando o Concílio, ou dizendo-o sem autoridade, como sustentam os tradicionalistas.

Há, isso sim, uma constatação de que nem tudo é tão fácil de se entender nos documentos conciliares, e que, por causa disso, existem interpretações errôneas, as quais geram tais questões. Importante ressaltar que o trabalho do Instituto Bom Pastor em discutir essas questões, diferentemente da Sociedade São Pio X, se fará “sob a condução do Papa”. Reconhece-se, outrossim, que “somente ele pode fazer isso”. É um substancial avanço!

“Quero dizer com essas palavras que tudo o que há de ambíguo, e até de falso, deve ser restabelecido por nós, tendo em vista dar por fim uma autêntica interpretação desse Concílio. O que supõe de outro lado que essa interpretação não existe totalmente ainda, e vou dar alguns exemplos: a liberdade religiosa fez escorrer muita tinta, vós o sabeis, e efetivamente, há coisas aparentemente e textualmente contraditórias com o Magistério precedente. O Papa Bento XVI, quando era ainda o Cardeal Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, retificou essa doutrina, quando esteve na Argentina em 1988, por ocasião das sagrações feitas por Monsenhor Lefebvre”.

O Superior Geral do Instituto recém-criado em nenhum momento afirma que o que há “de falso” se deve ao Concílio, mas dá a entender que tal se deve às interpretações errôneas que alguns dele fizeram. Tanto isso é verdade que, na mesma frase, continua explicitando sua intenção de “dar por fim uma autêntica interpretação desse Concílio”. Ora, se há uma legítima interpretação, o erro está na má interpretação, e não no Vaticano II em si. Mais adiante, outrossim, o Pe. Laguérie menciona que “que essa interpretação não existe totalmente ainda”. Pelo contexto, percebe-se claramente sua intenção não de atacar o Vaticano II (como pretendem os tradicionalistas, notadamente da SSPX, e como parece interpretar, a nosso ver erroneamente, o Prof. Orlando Fedeli), mas de interpretá-lo corretamente, de modo a harmonizar seu ensino com o Magistério perene. Aliás, essa tarefa sempre foi louvada pelos Papas, e mesmo levada a cabo por Paulo VI e, mais propriamente, por João Paulo II.

Não se alegue que, além do termo “aparentemente”, o referido sacerdote tenha empregado “textualmente” para designar o que muitos chamam de contradições entre o Concílio e o “Magistério precedente”. Que existam contradições aparentes entre eles, não o negamos. Mas apenas aparentes. O “textualmente” do Pe. Laguérie indica não uma contradição real, e sim no texto, na leitura. “Textualmente” não está, no seu discurso, como contrário de “aparentemente”. O antônimo de “aparentemente” é “realmente”, vocábulo que não aparece no discurso do padre.

“Eu não desejaria aqui entrar nos pormenores da Teologia, mas, enfim, eu vos citarei ainda um outro exemplo, o famoso, ‘subsistit in’. Está dito, no Concílio Vaticano II que a Igreja fundada por Cristo subsiste na Igreja Católica. Enquanto que a doutrina tradicional é evidentemente que a Igreja fundada por Cristo, é a Igreja Católica”.

Mais uma demonstração de que o Superior do Instituto Bom Pastor não quer atacar o Vaticano II nem o considera como errôneo ou favorecedor do erro. O tema do “subsistit in”, complicadíssimo a ponto de Leonardo Boff defender que, por ela, se entendia uma espécie de fraternidade espiritual de comunidades cristãs como a Igreja fundada por Jesus, foi definitivamente interpretado pela Igreja, em seu Magistério autêntico, na Dominus Iesus. Dando o exemplo de um assunto, no qual havia uma contradição aparente e textual entre o Concílio e o Magistério precedente, a qual, contudo, foi sanada pela correta interpretação da Igreja, o Pe. Laguérie nega, implicitamente, que aquela contradição seja real. Noutros termos, aparente e textual, mas nunca real!

O sacerdote mesmo diz, a certa altura, que sua sociedade de vida apostólica tem, por seus estatutos, “o dever de criticar, de dar a verdadeira interpretação do Concílio Vaticano II”. Não é uma crítica ao próprio Vaticano II, pois se assim o fosse não se poderia dar a verdadeira interpretação do Concílio. E já que esta que se busca, a crítica, evidentemente, é dirigida às falsas interpretações, e não, repetimos, ao Vaticano II.

No próprio site do Centro São Paulo, ligado ao Bom Pastor, há a informação de que “conforme o discurso do Papa Bento XVI à Cúria Romana em 22 de dezembro de 2005, os membros do instituto, quanto a isso, estão comprometidos a uma ‘crítica séria e construtiva’ do Concílio Vaticano II, para permitir à Sé Apostólica dar a interpretação autêntica.” A crítica é, pois, construtiva, e visa não a negar o Vaticano II nem a atacar sua doutrina, seus documentos, mas a auxiliar o Papa para dar uma interpretação do Concílio à luz da Tradição. Ora, para os tradicionalistas, para a SSPX, para a Montfort, do Prof. Fedeli, não há como interpretar o Vaticano II de modo ortodoxo, não existe uma interpretação autêntica à luz da Tradição, não há como fazer uma crítica construtiva de um Concílio que, para eles, foi um desastre, um produtor de idéias errôneas, um facilitador do modernismo. Vemos bem quanta diferença entre tais atitudes e a dos membros do Instituto Bom Pastor. Estes últimos não irão atacar o Vaticano II, acusá-lo de modernismo, de progressista, de herético, de ilícito, nem pretendem negá-lo ou dizer que a única maneira de interpretá-lo é à moda da teologia liberal. Pelo contrário! Sua missão, dizem os estatutos, é fazer uma crítica séria e construtiva (não ao Concílio, já se viu, mas do Concílio, i.e., a certas imprecisões na forma dos documentos e nas interpretações heterodoxas que a eles se deu por parte dos progressistas, e não à doutrina conciliar, que é a mesma de sempre), é ajudar a Santa Sé a, corrigindo as más interpretações, e clareando bem os pontos que não são bem entendidos por todos, fornecer uma correta aplicação de sua doutrina, da riqueza de seus documentos.

São um pouco equivocadas, portanto, as conclusões que o Prof. Fedeli tira do discurso do Pe. Laguérie, de que o Instituto Bom Pastor teria a tarefa de atacar o Vaticano II.

Este último é, e será sempre, um Concílio válido e legítimo da Igreja, e emanação de seu Magistério Ordinário, o qual, por apresentar, embora com novos termos (alguns textual, mas só aparentemente, ambíguos), a doutrina de sempre, reveste-se não somente de obrigatoriedade aos fiéis por religioso assentimento, porém de infalibilidade, o que exige fé divina e católica.

5 comentários:

Danilo disse...

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Espectadores disse...

Muitos parabéns por um excelente e lúcido artigo!
Não conhecia este blogue. Vou adicioná-lo à minha lista de favoritos. Bom trabalho!

Um abraço em Cristo,

Bernardo Motta

Anônimo disse...

Sim, é um texto bem escrito...mas ha um distorcao nao da parte dos tradicionalistas, mas sim de voces por parte do pronunciamento Laguerrie...

LOgica e inteligencia....vamos usa-las....5 padres que vinham da FSSPX formam o Instituto Bom Pastor...eles estranhamente deixaram de se postar contra o concilio? Nao...eles ainda sao contra...e por razoes obvias...Ja é de conhecimento publico a critica que fez BEntoXVI contra o espirito e contra a letra do Concilio...logo, por mais que seja como voces concluiram, as criticas do IBP guiadas pelo Santo padre....nao se desviara nada das conclusoes dos tradicionalistas frente a este pronunciamente do Pe Laguerrie...

A proprosito...Pe Laguerrie estara em breve no BRasil, aqueles que conhecem o IBP que ja tem sede em Sao Paulo sabem bem que, o IBP nao querer criticar a infalibilidade do CVII , nao passa de um delirio talvez causado pelo desespero dos modernistas ou dos paroquianistas de hoje em dia, que nao viveriam sem suas pastorais e os erros que o Concilio trouxe pro seio da Igreja.....o proprio PauloVI disse: ``A fumaca de Satanas entrou no Vaticano por alguma fresta``.....ele sabe muito bem qual rachadura causou essa fresta...

Nao se enganem, nao se desesperem.....a propria Virgem falou sobre a crise de fé...e tudo indica que a confirmacao vira dela propria, que nso alertou quando apareceu em Fatima...

Um abraco nao em Cristo, pois ele nao esta aqui, nao da pra abracar a hostia....mas sim um abraco bem cordial!

Anônimo disse...

Ao meu ver, criticar uma interpretação do Concílio é a mesma coisa que criticar o próprio Concílio,pelas seguintes razões:

- Primeiro, como pode um Concílio de tamanha importância permitir uma interpretação "de espírito" e uma "de letra"? Uma provável conclusão é que essa ambiguidade foi um próprio fruto e vontade do Concílio; afinal, são raríssimas as ocasiões quando houve no passado tamanha confusão na interpretação de um Concílio e seus textos. Assim, criticar interpretações é também criticar o artigo criticado, por permitir tais interpretações contraditórias.

- Segundo, qual foi o resultado do Concílio? Mesmo se não houvesse essas ambiguidades e divergências, veja em que situação nos encontramos. O Concílio então é um divisor de águas claro, e fica difícil não apontá-lo como a causa do nosso estado atual.


Em Jesus,

Paulo

Anônimo disse...

Srs.

Primeiramente, Bento XVI não criticou a letra do vaticano II, pois é de conhecimento de todos que ele deseja ler o concílio com uma hermenêutica de continuidade, isso faz com que ele seja contra somente algumas linhas de interpretação, como o pensamento de ruptura.

Segundo, houve outros concílios, até dogmáticos, que não tiveram firmeza em suas letras, mas que foram interpretados da maneira tradicional, com continuidade de pensamento..

Por exemplo: os concílios de nicéia e de constantinopla tiveram pouca firmeza em suas palavras, ao não afirmar diretamente que o Espírito Santo é Deus, ainda dava brechas para os arianos, os padres conciliares não quiseram colocar o Espírito Santo como consubstancial ao Pai, como nos relata Gregório de Nazianzo..então, o concílio não deteu de vez o arianismo, que só fora liquidado muitos anos depois... para se ter idéia da falta de firmeza do concílio de constantinopla, Gregório de Nazianzo irado, renunciou ao cargo de patriaca de constantinopla, deu de ombros ao concílio e partiu...E olha que isso aconteceu num período de crise na Igreja, muito maior do que a crise de hoje, pois, como disse São Jerônimo:"De repente, o mundo acordou e ficou surpreso ao ver-se ariano"..

Portanto, devemos nos esforçar por interpretar o Vaticano II como o Papa recomenda, com uma hermenêutica de continuidade, por mais que seus documentos sejam frágeis em certo sentido.. O Vaticano II ainda está em período de recepcio, e como o Rafael disse em seu artigo, o Instituto Bom Pastor tem o claro intuito de seguir a recomendação de Ratzinger, que é de interpretar o concílio segundo a Tradição de 2000 anos da Igreja, sem ruptura, mas com continuidade, para que o concílio seja recebido definitivamente segundo os outros 20 concílios ecumênicos.

Este é meu ponto de vista.

In Corde Jesu et Mariae, semper.
Lucas.

Cân. 750 – § 1. Deve-se crer com fé divina e católica em tudo o que se contém na palavra de Deus escrita ou transmitida por Tradição, ou seja, no único depósito da fé confiado à Igreja, quando ao mesmo tempo é proposto como divinamente revelado quer pelo magistério solene da Igreja, quer pelo seu magistério ordinário e universal; isto é, o que se manifesta na adesão comum dos fiéis sob a condução do sagrado magistério; por conseguinte, todos têm a obrigação de evitar quaisquer doutrinas contrárias.

§ 2. Deve-se ainda firmemente aceitar e acreditar também em tudo o que é proposto de maneira definitiva pelo magistério da Igreja em matéria de fé e costumes, isto é, tudo o que se requer para conservar santamente e expor fielmente o depósito da fé; opõe-se, portanto, à doutrina da Igreja Católica quem rejeitar tais proposições consideradas definitivas.

Cân. 752 Não assentimento de fé, mas religioso obséquio de inteligência e vontade deve ser prestado à doutrina que o Sumo Pontífice ou o Colégio dos Bispos, ao exercerem o magistério autêntico, enunciam sobre a fé e os costumes, mesmo quando não tenham a intenção de proclamá-la por ato definitivo; portanto os fiéis procurem evitar tudo o que não esteja de acordo com ela.