segunda-feira, dezembro 31, 2007

Vaticano II: espírito ou doutrina?

Por ocasião da escolha de Bento XVI ao trono de São Pedro, o barulho das fileiras liberais se fez, sobretudo, no sentido de que o novo Papa iria exercer seu pontificado na contramão do “espírito” do Concílio Vaticano II. Ao mesmo tempo, na Missa Pro Ecclesia e em quase todas as suas demais manifestações como Vigário de Cristo, o Santo Padre assumiu explicitamente um ministério coerente com as diretrizes daquele importante sínodo dos anos 60. Como resolver aparente contradição?

É necessário, antes de tudo, diferenciar os termos. O Concílio, em si, apesar de muitas expressões de não tão fácil interpretação (em virtude de outra linguagem adotada, que não a escolástica), em nada mudou a doutrina da Igreja. Nem poderia. E as, em certo sentido, dubiedades e dificuldades hermenêuticas devem ser resolvidas pela autoridade competente: como emanam da Igreja, chefiada pelo Papa, os documentos do Vaticano II, quando encerram dúvidas, precisam ser por ela mesma resolvidas. Havendo multiplicidade de interpretação, decide o Romano Pontífice. Enquanto ele não o faz nesta ou naquela passagem, procure-se seguir sempre o Magistério no que for claro. Com ele, guarda da Tradição e da Escritura, é que todo documento deve harmonizar-se.

Já o citado “espírito do Concílio” é coisa de outra ordem qualquer. Criada a expressão pelos progressistas, foi o tal “espírito” o responsável pela colossal crise pós-conciliar: completa confusão na catequese, esvaziamento dos seminários, noviciados e conventos, abusos sem-fim na liturgia, explosão de um novo modernismo teológico e do liberalismo moral, esquecimento das vestes próprias dos ministros ordenados, falso ecumenismo (bem distinto daquele pedido pelo Papa) etc. Como, durante o Concílio, não puderam os progressistas fazer suas teses – pois o Espírito Santo não deixa a Igreja enveredar pelo erro –, inventaram dois estratagemas: um foi dar uma interpretação liberal àquelas passagens confusas de que falamos, ou indo contra o Magistério e a Tradição, ou se antecipando temerariamente ao ensino dos Papas; o outro foi a criação da malfadada fórmula vocabular. Assim, o “espírito do Concílio” encerra toda a sorte de invencionices teológicas, muitas vezes indo contra as próprias palavras do Vaticano II. Serve a expressão para ser invocada sempre que o Sumo Pontífice justamente interpreta o Concílio de modo harmônico, em uma exegese de continuidade, como, aliás, é a sua tarefa. Havendo liberalismo a ser corrigido, seus próceres bradam: “vai contra o ‘espírito’ do Concílio!”

Que vá, ora! Melhor ser contrário a esse “espírito”, que não é católico, do que trair o depósito da fé, custodiado pelo Magistério da Igreja, e nele o próprio Vaticano II.

Postas em ação de acordo com a verdade, as diretrizes conciliares são legítimas – ainda que, em alguns de seus aspectos pastorais, possam ser objetos de respeitosa discordância por parte de alguns, dentre os quais eu NÃO me incluo, frise-se. Cridas em consonância com a interpretação pontifícia, as partes doutrinárias do mesmo Concílio são católicas. Ainda que ferindo o “espírito” do Vaticano II, temos de ser fiéis à sua doutrina, ao Papa, guardião daquela fé que os Padres Conciliares, sob a guia do Beato João XXIII e de Paulo VI, pretenderam afervorar.

A Igreja da doutrina do Concílio, do verdadeiro espírito do Vaticano II, é a Igreja de Jesus fundada há dois mil anos, e que nunca muda nem mudará o que crê. É a mesma que enfrenta, corajosamente, a crise provocada pela outra “igreja”, a do distorcido “espírito” conciliar. Esta, a da má interpretação do Vaticano II, é, segundo o abalizado juízo do Cardeal De Lubac, “uma nova Igreja, diversa da de Cristo.” (Discurso ao Congresso de Teologia, em Toronto, agosto de 1967)

Não é ao “espírito do Concílio” que os católicos devem fidelidade, mas à doutrina do Concílio, inspirada por outro Espírito, bem distinto: o Espírito Santo. Ele também elegeu, mediante os Cardeais do Conclave, o Soberano Pontífice, Bento XVI, a quem prestamos nosso mais filial voto de dócil obediência.

quinta-feira, outubro 25, 2007

O uso do tabaco



Questionam alguns fiéis acerca da licitude moral da prática de certas atividades que envolvam risco de vida. De fato, o V Mandamento do Decálogo, ao proibir o assassinato, estabelece também deveres de salvaguarda para com a própria vida. São esses, aliás, que fundamentam a legítima defesa, inclusive armada, contra a injusta agressão, ainda que cause a morte dos malfeitores (cf. Catecismo da Igreja Católica, 2263-2267; Santo Tomás de Aquino. S. Th., II-II, q. 64, a. 7; Sua Santidade, o Papa João Paulo II. Encíclica Evangelium Vitae, 56; ARRIGHI, A. Não matar, Pádua, 1946).

Enquadram-se no rol das ações perigosas determinadas práticas desportivas - luta, boxe, alpinismo, rapel, automobilismo -, algumas artes circenses - doma de feras, acrobacia, trapézio -, e mesmo atividades de lazer - caminhada no mato, acampamento em local ermo, banho de mar um pouco afastado da praia ou sob "bandeira vermelha"). Também o uso de substâncias nocivas à saúde.

A pergunta pode ser assim reproduzia: é imoral lutar boxe, praticar rapel, domar leões, fazer acrobacias, escalar montanhas? Ou: peca-se contra o V Mandamento desenvolvendo-se tais atividades perigosas? Ou ainda: é pecado consumir tabaco?

Para bem responder a instigante questão, devemos preliminarmente expor algumas noções fundamentais implicadas com a ordem divina de não matar (cf. Êx 20,13).

O mandamento implica em dois tipos de cuidados, uns para com a vida do próximo, outros para com a própria vida. Este segundo grupo é o que nos interessa.

Dentre os cuidados com a vida, tanto a nossa - objeto do presente estudo - quanto a do próximo, há uma série de deveres elencados pelos moralistas: a) positivos: usar dos meios aptos para a preservação da vida, se existirem; b) negativos: evitar os meios que ordinariamente causem intencionalmente a morte própria ou de outrem (cf. BAYET, A. O suicida e a moral, Paris, 1922; ODDONE, A. O respeito à vida, in "Civiltà Cattolica", nº 97, III, 1947, pp. 289-299; DEL GRECO, Fr. Teodoro da Torre, OFMCap. Teologia Moral, São Paulo: Paulinas, 1959, pp. 228-244).

De início podemos afirmar que o ninguém é autorizado a atentar contra a próproa vida, donde a proibição do suicídio direto. Já em relação ao suicídio indireto, este é, em geral, proibido, mas pode ser permitido ocorrendo razão grave. "Mata indiretamente a si mesmo quem, conscientemente, pratica uma ação que visa a um efeito bom, compreendido o desejado, capaz, porém de também causar a morte. Neste caso, o efeito bom compensa o mau. É lícito atirar-se da janela paa fugir a um incêndio; para fugir do violador do próprio pudor; para evitar o cárcere, etc. É lícito, na guerra, fazer saltar um depósito de pólvora, uma fortaleza, uma nave etc, mesmo com perigo certo da própria vida. É lícito, por caridade ou por profissão, servir os pestilentos, os leprosos ou outros doentes infecciosos." (DEL GRECO, Fr. Teodoro da Torre, OFMCap. op. cit., p. 229)

Também é proibido a abreviação da própria vida por vários anos, salvo "por uma necessidade moral ou pelo exercício da virtude." (DEL GRECO, Fr. Teodoro da Torre, OFMCap. op. cit., p. 229) - exemplo de necessidade moral: ganho honesto que faça um ferreiro estar em contato contínuo com o fogo ou um químico com produtos tóxicos; exemplo de exercício da virtude: mortificação do próprio corpo com jejuns, penitências, disciplinas. Claro que a necessidade moral será aferida caso a caso, e a virtude deve ser exercitada com o auxílio de um diretor espiritual, para não ocorrer excessos - que podem, aliás, ser pecado de soberba, orgulho espiritual: "vejam como sou santo, como jejuo, como etc." Se não existe perigo próximo de morte, também o consumir bebidas alcoólicas e o fumar tabaco não constituem pecado, a não ser que o uso seja excessivo, quando será pecado venial (cf. GENICOT-SALSMANS, Pe. J., SJ. Institutiones Theologiae Moralis, vol. I, Bruxelas, 1951, p. 363) - havendo perigo próximo de morte, o pecado é mortal; o uso de drogas para fins recreativos, i.e., não necessários, pode ser pecado grave ou venial, havendo, no primeiro caso, perigo próximo de morte, e, no segundo, excesso sem o tal perigo próximo. Como o consumo social de álcool ou tabaco, ordinariamente, constituem, no máximo, perigo remoto de morte, não há pecado - evidentemente, se houve excesso, há pecado, e, com o perigo próximo, este é agravado (cf. Catecismo da Igreja Católica, 2990). Consumir maconha ou cocaína, por outro lado, é pecado quando feito fora de uso terapêutico ou necessário, por constituir-se perigo próximo e não remoto de morte (cf. Catecismo da Igreja Católica, 2991).

A mutilação é pecado grave, "desde que não se pratique com a finalidade de conservar a vida." (DEL GRECO, Fr. Teodoro da Torre, OFMCap. op. cit., p. 230)

O desejo de morrer, outrossim, é lícito, desde que haja causa justa, v.g., o gôzo de Deus, a contemplação da bem-aventurança eterna, ser libertado de uma enfermidade longa e sofrida, e quem o desejo submeta-se à vontade divina.

Também, pelo V Mandamento do Decálogo, deve o homem conservar a "própria vida e a saúde, usando de todos os meios ordinários." (DEL GRECO, Fr. Teodoro da Torre, OFMCap. op. cit., p. 231) Daí a proibição da eutanásia passiva (a eutanásia ativa é proibida pelos deveres para com a vida alheia), mas não da ortotanásia: "A interrupção de procedimentos médicos onerosos, perigosos, extraordinários ou desproporcionais aos resultados esperados pode ser legítima. É a rejeição da 'obstinação terapêutica'. Não se quer dessa maneira provocar a morte; aceita-se não poder impedi-la." (Catecismo da Igreja Católica, 2278)

Enfim, e aqui o objeto próprio de nosso articulado, proíbe-se a exposição temerária ao perigo de morte. Analisemos alguns conceitos.

Exposição temerária é colocar-se frente ao perigo sem a tomada das devidas cautelas. Desse modo, sabendo-se que uma determinada atividade representa um perigo à própria vida - não uma certeza, pelo que seria imoral, mas um perigo, o que motiva nosso debate -, é necessária a adoção de medidas assecuratórias normais. Não se requer o uso de medidas extraordinárias, bastando a adesão à regulamentação da atividade, o conhecimento prévio do perigo, a habilidade e a destreza (exigidas nas ações mais perigosas, e que tornem o risco remotíssimo quando se tem fim de lucro), e a utilização de adequado equipamento.

Expor-se ao perigo de morte, usando das cautelas acima referidas, não é pecado se o fim é bom. Assim, quem faz rapel movido pelo desejo de uma justa diversão ou para admirar a criação de Deus e estar em contato mais íntimo com a natureza; quem pratica acrobacias no circo para emocionar a platéia com a beleza de sua arte, e desde que o lucro não seja o fim exclusivo; etc, não pratica pecado, usando das medidas normais de segurança. O risco assumido não é imoral, nesses casos, havendo quem o assume pelo exercício da atividade perigosa tomado "todas as providências tendentes a evitar ou minimizar as possibilidades de dano (...)." (GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, vol. 1, 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 164)

Objetarão alguns que os fins não justificam os meios. A expressão, todavia, deve ser melhor formulada: os fins não justificam os meios maus. Porém, quando os meios são neutros, i.e., nem bons nem maus em si mesmos, os fins bons estão plenamente justificados.

Ora, os fins de contemplar a natureza, divertir-se moderadamente, descansar etc são bons, e assumir um risco de morte é um meio neutro. Pode-se, logo, desenvolver atividades perigosas à própria vida, presente o fim bom e ausente algo que transforme o meio, em si neutro, em coisa má (por exemplo, não usar equipamento adequado).

Tomando, se existirem, as devidas cautelas (o que mantém o meio neutro, sem torná-lo mau) e com um fim bom, a prática de atividades que envolvam perigo para a própria vida é moralmente lícita, não constituindo pecado contra o V Mandamento.

"A virtude da temperança manda evitar toda espécie de exceção, o abuso da comida, do álcool, do fumo e dos medicamentos." (Cat., 2290)

O Catecismo da Igreja Católica é claro: o pecado está no abuso do fumo, não no mero uso. E, como diz o adágio dos moralistas, "o abuso não tolhe o uso". O Catecismo não condena o uso do fumo, mas somente o abuso. Ora, se o abuso é tido como pecado, logicamente é porque não considera a Igreja que o mero uso o seja. Se a Igreja quisesse ensinar que o mero uso fosse pecado, não teria dito que o abuso o é, mas diria simplesmente que o uso já configuraria pecado. Não foi esse o ensino, porém.

Por outro lado, a argumentação de que todo uso do fumo é abuso não procede, dado que está objetivando algo que é subjetivo. Em sendo abuso, ok, é pecado. Mas se existe abuso é pq também pode haver mero uso. Dizer que todo uso do cigarro é abuso é desvirtuar o próprio sentido de abuso, o que contraria toda a lógica da teologia moral clássica, notadamente a ensinada por Santo Tomás.

Do excelente e ortodoxo manual "Teologia Moral", do Fr. Teodoro da Torre Del Greco, OFMCap:

"À gula se refere a intemperança no beber até à perda do uso da razão (embiraguez), a qual, se é perfeita, isto é, se chega a impedir completamente o uso da razão, é pecado mortal 'ex genere suo', se causada sem motivo suficiente.

Por graves razões, provavelmente, pode permitir-se a embriaguez, como por exemplo, para curar uma doença ou para com mais segurança submeter-se alguém a uma operação cirúrgica. Afastar a melancolia não é motivo suficiente para embriagar-se. A embriaguez que priva só parcialmente do uso da razão (imperfeita) é somente pecado venial, mas poderia tornar-se mortal pelo dano ou escândalo produzido, pela tristeza que poderia causar aos pais etc.

Em relação ao uso dos entorpecentes (morfina, cocaína, heroína, clorofórmio etc) valem os mesmos princípios, isto é: usados em pequenas doses por motivo suficiente, por exemplo, para acalmar os nervos, dores etc, são lícitos. Sem motivo justo, porém, é pecado venial.

Mas tomá-los em doses tais que privem o homem do uso da razão, é pecado grave, salvo se há motivo suficiente proporcionado; por exemplo, uma operação cirúrgica, dar alívio a um paciente de doenças muito dolorosas etc."

A conclusão é de que:

a) o uso do álcool e de drogas, em si, não é pecado;

b) o pecado está em algumas condutas, dependendo da finalidade;

c) a embriaguez completa com justo motivo não é pecado;

d) a embriaguez completa sem justo motivo é pecado mortal;

e) a embriaguez incompleta é pecado venial;

f) a embriaguez incompleta pode tornar-se pecado mortal por outros fatores (escândalo, atos pecaminosos, em si, produzidos por força da embriaguez ainda que parcial, etc);

g) a embriaguez acidental não é pecado;

h) o consumo do álcool sem embriaguez não é pecado (para afastar a melancolia, v.g., só é pecado se houver embriaguez; pode-se, outrossim, beber por quaisquer outros motivos não-pecaminosos - comemoração, alegria, motivos de saúde, acompanhar os amigos etc - sem embriaguez; havendo outros motivos pecaminosos - ganhar "coragem" para adulterar, para fornicar, para furtar etc -, há pecado mortal mesmo sem embriaguez, mas a causa do pecado não é o uso do álcool, e sim a intenção do ato posterior);

i) o consumo de drogas em pequenas doses, com motivo suficiente, não é pecado;

j) o consumo de drogas em pequenas doses, sem motivo suficiente, é pecado venial;

k) o consumo de drogas em outras quantidades, com motivo grave e proporcionado, não é pecado;

l) o consumo de drogas em outras quantidades, sem motivo grave e proporcionado, é pecado mortal;

m) o consumo de drogas exige sempre justo motivo para ser lícito, ao contrário do uso do álcool, porque é de sua essência o entorpecimento, ao passo em que o álcool só o é acidentalmente.

O caso do fumo (tabaco) é bem diverso, de vez que ele não é entorpecente nem embriagante. Noutros termos, fumar cigarro, cachimbo ou charuto não afeta a consciência da pessoa. Por isso, o juízo a ser feito em relação a ele não deve ser o mesmo das drogas e do álcool. Não podemos simplesmente "colocar tudo no mesmo saco". Aliás, se nem mesmo o álcool e as drogas, em si, são ilícitos (pois se há um uso lícito, não podem ser ontologicamente ilícitos, sendo, pois, neutros, havendo licitude ou ilicitude conforme o caso), apesar de seu efeito narcótico, muito menos o seria o tabaco, que não é embriagante nem entorpecente.


Salvam-se os não-católicos?

A questão toda passa pela compreensão da Igreja como Corpo de Cristo.

O Papa é a cabeça visível desse Corpo, que tem Cristo como cabeça invisível. Por isso chamamos o Sucessor de Pedro de Vigário de Cristo. Vigário significado substituto.

Evidentemente, é possível a alguém que não esteja visivelmente no grêmio da Igreja alcançar a salvação. Mas tal se dá porque, apesar de não saber, esse não-católico é, sim, um membro da Igreja, por vários títulos. Na sua ignorância, se invencível - e isso só Deus pode julgar -, os pequenos e frágeis laços que o unem à Igreja Católica (batismo, traços de doutrina católica, sacramentos, Bíblia, cumprimento da lei natural etc) podem ser suficientes para torná-lo um membro invisível da Igreja visível, ou, como diriam o Cardeal Journet e o Cardeal Billot, participante da "alma da Igreja", ainda que não do corpo.

De qualquer modo, todos os que se salvam, se salvam por serem católicos. Mesmo que não saibam.

Ordinariamente, todavia, a submissão a Cristo implica na submissão ao seu Vigário, o Papa. A Unam Sanctam é clara nesse sentido, e a Dominus Iesus (como a Ut Unum Sint) desenvolvem essa doutrina mais explicitamente.

Se, por um lado, temos de cuidar para não cairmos no irenismo (Cristo salva independentemente da Igreja, todos são iguais, o que importa é ser bom e cristão), evitemos também o feeneyismo (confundir o "fora da Igreja não há salvação" como se fosse um "fora das estruturas visíveis da Igreja não há salvação").

Sendo a Igreja “projeto visível do amor de Deus pela humanidade” (Sua Santidade, o Papa Paulo VI. Discurso de 22 de junho de 1973), “coluna e sustentáculo da verdade?” (1 Tm 3,15), fundada por Jesus Cristo para, como instrumento do Espírito Santo, salvar e santificar os homens (cf. Concílio Ecumênico Vaticano II. Constituição Dogmática Lumen Gentium, de 21 de novembro de 1964, nº 8), fora da qual não há remissão dos pecados (cf. Sua Santidade, o Papa Bonifácio VIII. Bula Unam Sanctam, de 18 de novembro de 1302; Concílio Ecumênico Vaticano II. Constituição Dogmática Lumen Gentium, de 21 de novembro de 1964, nº 14; Catecismo da Igreja Católica, 846), há de se crer na absoluta necessidade de a ela pertencerem todos os seres humanos. Certo é, igualmente, que, em situações excepcionais, havendo ignorância invencível, pode o homem salvar-se fora da estrutura visível da Igreja, o que não significa possibilidade de salvação fora da Igreja mesma nem negação da visibilidade desta.

Dois erros devem aqui ser evitados.

Um, o de certa teologia irenista, presente, em maior ou menor grau, em alguns ambientes católicos, e que afirma indiscriminadamente que fora da Igreja há salvação, que o que interessa é ser cristão somente e não católico e, às vezes, nem cristão, bastando ter “caridade”, - como se a caridade não fosse ordinariamente fruto da fé –, que Cristo não teria fundado uma única Igreja, que o extra Ecclesia nulla salus teria sido revogado – como se fosse possível à doutrina católica mudar-se, evoluir –, que a unidade da Igreja teria sido perdida – se a unidade é essencial à Igreja, não pode tal nota ser perdida sob pena de deixar de subsistir a própria Igreja, o que, por sua vez, é igualmente impossível em face da promessa do Redentor –, que todos os caminhos levam a Deus etc. Certa falsa concepção do que seja ecumenismo, tal como entendido pelo Papa, adota esse irenismo, em si pernicioso, condenado pelo Vaticano II, por Paulo VI e por João Paulo II, e, antes, pela Encíclica Mortalium Animos, de Pio XI.

O outro erro é o do que interpreta restritivamente a expressão “fora da Igreja não há salvação”, entendendo-a como “fora das estruturas visíveis da Igreja não há salvação”. Essa falsificação do correto entendimento do brocardo foi igualmente rejeitada pela Igreja, sob o nome de feeneyismo, na Carta ao Arcebispo de Boston, de 8 de agosto de 1949. De fato, a Igreja rechaça tanto o irenismo – que crê na salvação fora da Igreja Católica – quanto o feeneyismo – que confunde a Igreja Católica, única e essencialmente visível (mas com possibilidade de membros invisíveis), fora da qual não há salvação, com sua estrutura de visibilidade. “Aqueles que crêem em Cristo e foram devidamente batizados estão constituídos em certa comunhão, embora não perfeita, com a Igreja Católica.” (Concílio Ecumênico Vaticano II. Decreto Unitatis Redintegratio, de 21 de novembro de 1964, nº 3)


“Os fiéis são obrigados a professar que existe uma continuidade histórica – radicada na sucessão apostólica – entre a Igreja fundada por Cristo e a Igreja Católica: ‘Esta é a única Igreja de Cristo (...) que o nosso Salvador, depois da sua ressurreição, confiou a Pedro para apascentar (cf. Jo 21,17), encarregando-o a Ele e aos demais Apóstolos de a difundirem e de a governarem (cf. Mt 28,18ss.); levantando-a para sempre como coluna e esteio da verdade (cf. 1 Tim 3,15). Esta Igreja, como sociedade constituída e organizada neste mundo, subsiste [subsistit in] na Igreja Católica, governada pelo Sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele.’ Com a expressão subsistit in, o Concílio Vaticano II quis harmonizar duas afirmações doutrinais: por um lado, a de que a Igreja de Cristo, não obstante as divisões dos cristãos, continua a existir plenamente só na Igreja Católica e, por outro, a de que ‘existem numerosos elementos de santificação e de verdade fora da sua composição’, isto é, nas Igrejas e Comunidades eclesiais que ainda não vivem em plena comunhão com a Igreja Católica. Acerca destas, porém, deve afirmar-se que ‘o seu valor deriva da mesma plenitude da graça e da verdade que foi confiada à Igreja Católica.’ Existe portanto uma única Igreja de Cristo, que subsiste na Igreja Católica, governada pelo Sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele... As Igrejas que, embora não estando em perfeita comunhão com a Igreja Católica, se mantêm unidas a esta por vínculos estreitíssimos, como são a sucessão apostólica e uma válida Eucaristia, são verdadeiras Igrejas particulares. Por isso, também nestas Igrejas está presente e atua a Igreja de Cristo, embora lhes falte a plena comunhão com a Igreja católica, enquanto não aceitam a doutrina católica do Primado que, por vontade de Deus, o Bispo de Roma objetivamente tem e exerce sobre toda a Igreja. As Comunidades eclesiais, invés, que não conservaram um válido episcopado e a genuína e íntegra substância do mistério eucarístico, não são Igrejas em sentido próprio. Os que, porém, foram batizados nestas Comunidades estão pelo Batismo incorporados em Cristo e, portanto, vivem numa certa comunhão, se bem que imperfeita, com a Igreja. O Batismo, efetivamente, tende por si ao completo desenvolvimento da vida em Cristo, através da íntegra profissão de fé, da Eucaristia e da plena comunhão na Igreja.” (Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé. Declaração Dominus Iesus, de 6 de agosto de 2000, nsº 16-17) “Os fiéis não podem, por conseguinte, imaginar a Igreja de Cristo como se fosse a soma – diferenciada e, de certo modo, também unitária – das Igrejas e Comunidades eclesiais; nem lhes é permitido pensar que a Igreja de Cristo hoje já não exista em parte alguma, tornando-se, assim, um mero objecto de procura por parte de todas as Igrejas e Comunidades.” (Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé. Declaração Mysterium Ecclesiae, in AAS 65, em 1973, nº 1)

Sobre o verdadeiro sentido do ecumenismo, ver o Decreto Unitatis Redintegratio, do Vaticano II, a Encíclica Ut Unum Sint, do Papa João Paulo II, e a Carta Communionis Notio, da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé.

A burguesia revolucionária

Tornou-se lugar comum a crítica da esquerda à burguesia. De fato, o discurso clássico dos socialistas dirige-se contra o burguês, o “opressor dos trabalharoes”, na sua ótica limitadíssima. Associam, aliás, o elemento burguês ao conservadorismo, como se burguesia e aristocracia fossem a mesma coisa.

Alguns reparos merecem ser feitos. Antes de tudo, também me oponho a certa burguesia. Mas não pelos motivos elencados pelos comunistas, anarquistas e socialistas. Minha discordância – que não é em relação à burguesia em si – se dá por outras razões. Historicamente, considerável papel revolucionário coube a um tipo de burguês pouco identificado com os valores tradicionais. Assim, a Revolução de 1789, comandada por parcela da burguesia contra a nobreza, preparou a Comuna de Paris, e esta a revolta de 1917. Na Revolução Francesa, portanto, muitos burgueses eram a esquerda. Tem, esse tipo de burguesia, a missão de preparar o terreno para o socialismo. São cabeças-de-ponte. A própria tomada de poder pelos bolcheviques na Rússia só foi possível pela concertação com os burgueses mencheviques, pois os dois grupos odiavam o que era conservador, o czarismo. Também no Brasil, embora se digladiem, FHC iniciou, de certa forma, o programa socialista levado a cabo por Lula (na educação, no feminismo, na reforma agrária, na política tributária, no sucateamento das Forças Armadas, nas idéias raciais). O México, outrossim, é um exemplo clássico: os liberais Carranza, Obregón e Calles, amplamente apoiados por esta facção revolucionária da burguesia, criaram as condições para o governo pró-socialista de Cárdenas (que, em seu projeto educacional, condenou a burguesia que o elegera e o sustentara, ainda que fossem do mesmo partido).

Daí que criticar a burguesia não é privilégio da esquerda. A autêntica direita também o faz, porém com significativas diferenças. Não ataca a burguesia em si, pois sabe que as profissões liberais, a indústria, o comércio e a agropecuária de médio e grande porte são vitais para uma sociedade harmônica, justa e com progresso. Além disso, o burguês não-revolucionário, mais afinado com a tradição e com a ordem, identifica-se com tal programa dito “de direita”. A crítica direitista vai contra uma espécie do gênero burguesia, contra um comportamento burguês que, ao invés de aliar-se ao povo e à aristocracia, em nome do primeiro combate a segunda. Essa burguesia vermelha (que forma o grosso do eleitorado do PT, do PSB, do PPS e até do PSOL) acaba laborando contra a burguesia sadia. É por isso que adesivos petistas são comumente vistos em carros de gente de classe média, e parte da mídia (tanto empresários como jornalistas, todos burgueses) tende a aliar-se à esquerda, num ou noutro nível.

Nem toda a burguesia é ruim, como pregam os comunistas (ajudados, lembremos, por certos burgueses tão odiados por eles). O burguês conservador, enfim, é o grande propulsor do desenvolvimento econômico e social da nação, o incentivador da solidariedade e da liberdade, o bastião da democracia. O burguês revolucionário, entretanto, é o pior dos inimigos, pelo apoio que presta (consciente ou inconscientemente) ao esquerdista que finge contra ele guerrear.

O padre

Estando diante de um mim um anjo de Deus, cheio de esplendor, e um humilde padre católico, não hesito: a este último prestarei maior honra!

Só ele, o padre, é capaz de, pelo sacramento da Ordem, tornar presente, em cada Missa, no momento da consagração, o único e suficiente sacrifício de Cristo, oferecido de uma vez por todas na Cruz. E mediante isso converter o pão e o vinho, dos quais só restam as aparências, em verdadeiro Corpo e verdadeiro Sangue do Senhor.

Só ele, o padre, é capaz de não só ouvir pacientemente nossas mais sinceras confissões – coisa que um psicólogo talvez faça em troca dos seus justos honorários –, como, ainda pelo sacramento da Ordem e pela faculdade concedida por seu superior, realmente nos absolver, liberando-nos, se contritos estamos, da pena eterna devida por nossos pecados. Em virtude desse poder, os méritos de Cristo, a graça de Cristo, conquistados na Cruz, nos são aplicados.

Só ele, o padre, é testemunha ordinária qualificada, em vista das disposições canônicas, dos noivos que contraem Matrimônio, dando sua bênção à novel família que é fundada no amor de ambos, no sagrado compromisso que assumem, e no consentimento mútuo.

Só ele, o padre (e o diácono), dá uma bênção constitutiva, i.e., que deixa benta a coisa em si mesma, e, quando dá uma bênção invocativa, a coisa, embora não benta em si mesma, fica, de fato, abençoada. O leigo, quando abençoa, dá mera bênção invocativa e, ainda assim, trata-se de mero pedido para que Deus “abençoe o que Ele abençoa” (Fr. Antonio Royo Marin, OP. Parecer sobre lãs benediciones impartidas por los no sacerdotes). O padre (e o diácono) dá bênção no seu sentido pleno: não pede, mas de fato abençoa “em virtude de seus poderes sacramentais” (idem, ibidem), usando um sacramental, um sinal sagrado.

A cada dia, o padre pode repetir o mais extraordinário feito do universo: a morte do Criador, o sacrifício da Cruz no altar da Missa, a conversão do pão em Carne e do vinho em Sangue. A cada dia, o padre pode efetivamente, em nome de Cristo, perdoar pecados. A cada dia, o padre pode, ao distribuir a Eucaristia, alimentar nossa alma com o Corpo do próprio Deus.

“Nem a Santíssima Virgem pode fazer o que pode um sacerdote.” (Hugo Wast).

Faltando o padre, quem tornará realmente presente o santo sacrifício da Cruz, celebrando a Missa? Faltando o padre, quem, pela consagração, nos dará Cristo vivo e ressuscitado, Corpo, Sangue, Alma e Divindade? Faltando o padre, como não ficarão vazios os tabernáculos? Faltando o padre, quem nos absolverá os pecados no confessionário, único tribunal onde quem se confessa culpado levanta-se inocentado? Faltando o padre, como seremos alimentados com aquele Corpo de Cristo do qual falávamos? Faltando o padre, como teremos os sacramentos, sinais visíveis da graça de Deus? Faltando o padre, quem, em nome de Deus, nos abençoará e nos testemunhará casados?

Pensemos nisso para que não faltem padres e os seminários se encham!

quinta-feira, setembro 13, 2007

quinta-feira, março 08, 2007

A falsa direita

O maniqueísmo é tão fundamental no pensamento da esquerda que, agora que por seus valores (igualitarismos dos mais variados matizes: cotas, feminismo, militância gay, ecologismo radical) somos comandados, seja pelo governo, seja por parte de uma decadente elite urbana arvorada em “moderna”, pintam os socialistas um quadro dos mais simplórios, tão típico de suas utopias. De um lado, estariam os progressistas e suas bandeiras vermelhas, suas lutas por reforma agrária, pelos índios, pelas mulheres, pelos homossexuais, seus fóruns sociais mundiais e seu estranho conceito de democracia. Na outra frente, conforme o delírio politicamente correto dos proto-comunistas, residiriam os liberais e conservadores, os fascistas, os que a todos odeiam, os representantes da burguesia e da aristocracia.

Simplificação da realidade, que, de fato, a nega, em clássica manobra ideológica, tal situação é inexistente. Sem embargo da preguiça mental do homem contemporâneo, e sua notória incapacidade para o raciocínio mais profundo e complexo, não se lhe poderia escapar uma constatação evidente: liberalismo e totalitarismo (fascista ou socialista) são da mesma matriz filosófica. A ampla liberdade defendida pelos liberais dos séculos XVIII e XIX deitava suas bases no conceito da verdade relativa. Negando o absoluto, a verdade objetiva, poucos passos foram necessários para que o liberalismo se transformasse em comunismo ou em nazismo. “O totalitarismo nasce da negação da verdade em sentido objetivo: se não existe uma verdade transcendente (...), então não há qualquer princípio seguro que garanta relações justas entre os homens. Com efeito, o seu interesse de classe, de grupo, de Nação, contrapõe-nos inevitavelmente uns aos outros.” (Papa João Paulo II. Encíclica Centesimus Annus, 24)

Paul Hazard, em duas obras já clássicas, expõe lucidamente a filiação natural do nazi-fascismo e do socialo-comunismo ao liberalismo iluminista, de inspiração francesa e triunfante em 1789 (o iluminismo inglês e a Revolução Americana são de outro sabor). Daí, não se pode opor fascismo e comunismo, como se os não-esquerdistas fossem seguidores de Hitler, Mussolini ou Plínio Salgado. Tampouco é justo dar ao liberalismo laicista, que continua a fazer estragos à França de Chirac, o epíteto de direita conservadora.

Ensina o célebre e douto dominicano, Fr. Garrigou-Lagrange, OP, falecido sacerdote fidelíssimo ao Papa e seu Magustério, e tido por muitos o maior teólogo do século XX: “é preciso não confundir a verdadeira direita com as falsas direitas, que defendem uma ordem falsa e não a verdadeira. Mas a direita verdadeira, a que defende a ordem fundada sobre a justiça, parece ser um reflexo do que a Escritura chama a direita de Deus, quando que Cristo está sentado à direita do seu Pai e que os eleitos estarão à direita do Altíssimo.” (O Legionário – jornal da Arquidiocese de São Paulo, 11 de setembro de 1938)

Por seu ódio à Civilização Cristã e às sadias tradições, o nazismo – irmão-gêmeo do comunismo, inclusive no nome (nacional-socialismo) – e o liberalismo radical não merecem outro apelido que o de falsa encarnação da direita autêntica. É ela que, por fraqueza ou conivência, não ataca devidamente a esquerda, como temos visto em muitos partidos brasileiros, e a torna cada vez mais forte. Só com a verdadeira direita venceremos o comunismo e teremos o esplendor da legítima democracia “neste país”.

terça-feira, março 06, 2007

Solenidade na Missa


O Ano da Eucaristia chegou a seu ocaso no Brasil, e pouco em nossas igrejas foi feito de realmente visível e significativo para a promoção do adequado culto litúrgico. Convocado por João Paulo II para renovar a observância às normas que regem a celebração da Missa – as quais, em muitos lugares, são esquecidas e contrariadas, conforme o Pontífice mesmo denuncia na Ecclesia de Eucharistia, especialmente nos números 10 e 52 –, pela maioria o evento só é comentado “da boca para fora”.

Na Missa Pro Ecclesia, encerramento do Conclave que o elegeu, Bento XVI ordenou que essa comemoração fosse marcada “pela solenidade e retidão das celebrações.” Noutras palavras: rigoroso seguimento das rubricas do Missal (e falo do novo, de Paulo VI); cessação de qualquer invencionice por parte dos sacerdotes; decoro e circunspeção; paramentos corretos; proibição de cantos estranhos à tradição católica e de não menos estranhas palmas e demonstrações efusivas de alegria, nada apropriadas para quem assiste, na Missa, a renovação do sacrifício da Cruz. “Peço isso de modo especial aos sacerdotes.”

Não sou eu ou algum grupo quem pede obediência ao Missal. É a lei da Igreja. É o Papa. Se alerto para esse descuido, é por grave dever de consciência, pois minha alma de católico não me deixa inerte ante os incontáveis abusos na liturgia Brasil afora, em franca oposição a Roma. Estas linhas são movidas por caridade cristã!

A casula foi quase abandonada; certos padres inserem numa ou noutra parte da Missa gestos, símbolos (cartazes, plantas, fantasias, fogo etc) e palavras que são criações suas (em total desacordo com as regras vigentes); o povo reza orações reservadas aos sacerdotes e até por eles, às vezes, é incentivado a proferi-las (o “Por Cristo, com Cristo...”, a oração da paz, v.g.); os fiéis são convidados a atos não previstos (fechar os olhos, erguer as mãos, direcioná-las ao altar no “Por Cristo”, abri-las “para receber a bênção”, e outras provas bizarras de inesgotável e anticatólica criatividade, já atacada pelo então Cardeal Ratzinger em seu “A fé em crise?”); nem sempre as músicas são apropriadas; o incenso é raro; e os ministros extraordinários – leigos – são usados na proclamação do Evangelho e, ordinariamente, na distribuição da Comunhão (contrariando a Ecclesiae de Mysterio). Exemplos de um claro desrespeito às normas litúrgicas e ao Ano da Eucaristia.

A Missa, em vários rincões da pátria, não é celebrada como deveria, como manda o Papa, como prescreve o Missal. E isso é fato! Não há o que discutir! Compare-se o texto oficial com o que é feito e tem-se o resultado.

Claro, todos dizem obedecer ao Santo Padre. Não passa disso, infelizmente. Forçoso é reconhecer que uma parte do clero desconhece ou não aplica a recente Redemptionis Sacramentum. É ela sumariamente ignorada, como se valor não tivesse. Aprovada pelo Papa, a maioria não a segue. De nada adianta falar em obediência. São precisos atos concretos. Quando o Papa manda “x” e se faz “y”, não se o está obedecendo. Não vale muita coisa dizermos que o amamos e protestarmos obediência, se não fazemos o que ele ordena. “Será abençoado por Deus quem demonstrar seu amor à Eucaristia pela fidelidade às normas da Igreja” (Cardeal Sales), e não às inovações das equipes de liturgia e dos párocos.

O discurso dê lugar à prática. É hora de estudarmos os documentos e corrigirmos as muitas falhas em nossas celebrações. Com urgência! Esse o meu apelo, essa a minha súplica.

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Confusões de fé

Se há uma palavra cujo significado é completamente distorcido por alguns de hoje, essa palavra é “fé”.


Afirma-se, pois, ter fé, “mas não ter doutrina fixa”; ter fé, “mas não ter um sistema religioso”. Demonstração de um total contra-senso. Tais que assim pensam atribuem ao vocábulo “fé” um sentido que não o original e verdadeiro.


Assim, para muitos, fé é acreditar na existência de Deus. Ora, a existência de Deus prescinde da fé. A razão o demonstra. Pela análise das coisas criadas chegamos ao Criador; da ordem natural ao Ordenador; dos seres contingentes ao Ser Necessário; dos móveis ao Motor Imóvel. A inteligência nos diz que Deus existe, antes mesmo da fé. Logo, fé não pode ser simplesmente acreditar na existência de Deus, por vã repetição de termos.


Outros, ainda, dão à fé um conceito de confiança em Deus. Mais um engano! Confiar em Deus é louvável, porém está na esfera de virtude diversa: a esperança. Fé não é confiar em Deus, ainda que seja extremamente meritório fazê-lo. Claro que confio em Deus, eu, este articulista que vos escreve. Todavia, essa confiança, embora dela decorra, não é propriamente fé.


Qual, então, o conceito de fé?


Antes de tudo, o verbete expressa realidades presentes até na ordem secular, natural. A “fé pública” dos atos do tabelião, por exemplo. Ao gênero fé pertencem a fé humana (nas pessoas, na Administração Pública etc) e a fé religiosa.


Em qualquer desses significados, fé é a adesão intelectual ao testemunho de outrem, um saber que é verídico algo que não vi, ciência essa que se processa pela autoridade de quem dá o testemunho ou pela razoabilidade dos argumentos e probabilidade dos acontecimentos. O tabelião, no exemplo dado, presta a um documento sua certificação de que confere com o original a ele apresentado. Pela força da lei, da qual emana a presunção de legitimidade dos atos administrativos, todos podem aderir à veracidade da informação autenticada, saber que ela é verdadeira.


Semelhantemente se processa a fé religiosa. Mais que um crer na existência de Deus (pois a razão, antes da fé, nos diz que Ele existe), ou confiar n’Ele, a fé religiosa é a adesão do intelecto a um testemunho de fundo religioso. No caso da fé católica, é adesão do intelecto, movido pela vontade, a qual é iluminada pela graça divina, ao testemunho de Cristo, i.e., ao que Ele ensinou e ensina por Sua Igreja. Daí que muita fé não é somente muita confiança, mas muita adesão.


“Fé implica doutrina. Doutrina implica proposições!” (Cardeal Newman; Discussions and arguments, 284) Quem se diz de fé católica não a prova com a afirmação na existência de Deus, ou com a confiança n’Ele depositada, e sim com a adesão à proposição do Magistério da Igreja. Católico de pouca fé é aquele que tem pouca adesão, pouca identificação, pouca aceitação do que a Igreja ensina. Católico de muita fé, por sua vez, é quem possui inabalável adesão e aceitação da doutrina (toda) da Igreja.


Não que a muita fé nos faça aceitar a doutrina católica: a aceitação desta é a própria fé! Ter não é pressuposto para aceitar o que ensina a Igreja: ter fé é exatamente aceitar!


Cân. 750 – § 1. Deve-se crer com fé divina e católica em tudo o que se contém na palavra de Deus escrita ou transmitida por Tradição, ou seja, no único depósito da fé confiado à Igreja, quando ao mesmo tempo é proposto como divinamente revelado quer pelo magistério solene da Igreja, quer pelo seu magistério ordinário e universal; isto é, o que se manifesta na adesão comum dos fiéis sob a condução do sagrado magistério; por conseguinte, todos têm a obrigação de evitar quaisquer doutrinas contrárias.

§ 2. Deve-se ainda firmemente aceitar e acreditar também em tudo o que é proposto de maneira definitiva pelo magistério da Igreja em matéria de fé e costumes, isto é, tudo o que se requer para conservar santamente e expor fielmente o depósito da fé; opõe-se, portanto, à doutrina da Igreja Católica quem rejeitar tais proposições consideradas definitivas.

Cân. 752 Não assentimento de fé, mas religioso obséquio de inteligência e vontade deve ser prestado à doutrina que o Sumo Pontífice ou o Colégio dos Bispos, ao exercerem o magistério autêntico, enunciam sobre a fé e os costumes, mesmo quando não tenham a intenção de proclamá-la por ato definitivo; portanto os fiéis procurem evitar tudo o que não esteja de acordo com ela.