segunda-feira, julho 12, 2010

Verniz de catolicismo

Não é de todo desconhecido que possuo profundas reservas quanto à segunda fase do grande pensador católico Alceu de Amoroso Lima, o Tristão de Ataíde. Sua produção inicial, mais influenciada por Jackson de Figueiredo, é indiscutivelmente ortodoxa, sua etapa intermédia uma mescla já com influências da melhor filosofia de Jacques Maritain, e, por fim, acaba por renunciar à doutrina da ordem para defender uma espécie de utopia do mundo moderno, de um humanismo com coloração um tanto esquerdista.

De qualquer modo, escrevendo sobre suas próprias mudanças, Alceu tece uma frase que é de uma sabedoria ímpar congregada a uma brutal analise da realidade: “Não é de entusiasmo gesticulador que precisamos, mas de entusiasmo interior, dessa força de convicção que se traduz em atos e cujo esplendor é a perseverança.”

Penso nenhum reparo ser lícito fazer a tal assertiva, verdadeiramente bombástica ao tartufo coração do homem moderno.

Se, por um lado, pelos erros de um socialismo juvenil, muitos acabaram por denegrir as formas, despreocupando-se do exterior como se prescindível fosse, não se deve negar o exagero contrário. Ao mero culto do sentir, responsável pela deformação da vontade e dogmatizado na frase de toque “o que importa é o interior”, outro extremo é anteposto: a “heresia da ação”, como bem traduzia, em brilhante síntese, Plínio Corrêa de Oliveira.

Em não desprezível número, alguns fiéis, rompendo com essa perniciosa visão romântica da vida católica, aderem, sem reflexão, a esse segundo equívoco. E a internet facilitou-lhes a disseminação.

Convertendo-se com a velocidade de um relâmpago – o que é possível, não o negamos, com a ajuda da graça –, pensam ser já versões atuais de Santo Tomás de Aquino ou Santo Agostinho. Jovens, com pouca formação humanística, ao invés de desconfiarem de si mesmos, julgam ter uma missão superior de corrigir as estruturas heréticas infiltradas nos ambientes eclesiásticos. E isso sem nenhuma ou pouca vida interior, sem um sentido de vivência pastoral prática.

Piores casos são aqueles, entretanto, em que já pensam ser uma Santa Catarina de Sena escrevendo cartas ao Papa instando-o a sair de Avignon e retomar seu trono em Roma. Ou, então, apresentam-se como símiles de Santo Atanásio, afirmando-se perseguidos por tudo e por todos por causa da ortodoxia.

Quando falta aquele vigor interior de que nos falava Alceu, surgem as megalomanias práticas. Não que um santo do porte de um Atanásio, na luta pela ortodoxia, ou de um Tomás, no ensino da verdade, não possa hoje ser despertado por Deus. A questão é bem outra: aqueles santos desconfiavam de si mesmos, e ainda que tenham desempenhado uma tarefa sublime, não a imaginavam como sendo sua. E alguns desses “católicos de internet”, conhecedores em tudo de cada linha do Concílio de Trento, sabedores de cada vírgula apontada pelo Pe. Penido, ou decoradores da Suma, ainda que se digam humildes e sejam sinceros, será que não manifestam, por inconsciente que seja, alguma ponta de exagero apostólico?

Que as idéias sejam católicas é um grande objetivo. Sejam, entretanto, decorrência natural de um catolicismo na vida. A coerência de vida e o exercício das virtudes são o norte. A freqüência aos sacramentos bem celebrados como meio de santificação e não como sentimento de pertença a um grupo de puros e escolhidos, nos dá um sinal da verdadeira vida interior.

Como bem disse um amigo, em uma conversa informal, a dificuldade existe porque existem pessoas “que são metidas a falar do que aprenderam lendo alguns manuais de teologia. O problema é que essas ideias são postas de forma confusa, pois não se está aprendê-las num seminário. E muitas vezes se requer uma série de cuidados ou uma gama de conhecimentos encadeados para que possam chegar aos leitores livres de qualquer sabor de heresia.”

O remédio já o dava Alceu, como o dava Santo Inácio: vida interior. Mas vida interior profunda, robusta. E por robusta entendemos saudável, grande, não gorda, excessivamente musculosa e inchada. Não é de “Rambos” espirituais que a sociedade precisa para ser curada em sua mortal enfermidade, mas da delicadeza, aliada a um profundo sentido de missão, sem renegar a humildade, de uma Santa Teresinha. O apostolado, ensinava Dom Chautard, tem por alma a oração.

Como falarei DO Senhor, se não falar COM o Senhor?

Não se pode ser católico só no revestimento exterior, ou achar-se suficientemente piedoso por saber meia dúzia de anátemas. De nada vale decorar o Denzinger e considerar-se apto a julgar se Fulano é validamente Papa ou se tal disposição canônica ou teológica é contrária à Tradição e ao Magistério “de sempre”, sem vida interior autêntica. Aliás, essa o desprezo por essa vida interior, a pretexto de que os sacramentos são inválidos, é a raiz do maior afundamento na lama... Não espanta que, sem a graça, o protestantismo seja o desembocar desse catolicismo auto-suficiente, como a “reversão” de muitos já deu prova.

Um comentário:

stefan disse...

Acho que isso possui muito fundamento, pois há incremento, especialmente por meio de certos leigos e sacerdotes sensacionalistas, anti litúrgicos e (ou) relativistas - quando não até promotores de instruções socializadas da TL - e promotores de shows-fé;
O interior do homem deverá ser sempre de recolhimento e discrição em contato com Deus, em ambiente silente e apartado.
Apenas assim poderá captar dele a graça e os dons de que necessita para ser bom cristão.
Quando se extrapola em meio de multidões tais manifestações, poderá não passar de mais um "auê" religioso, procedimento de protestantes que priorizam o exterior e o relativismo.

Cân. 750 – § 1. Deve-se crer com fé divina e católica em tudo o que se contém na palavra de Deus escrita ou transmitida por Tradição, ou seja, no único depósito da fé confiado à Igreja, quando ao mesmo tempo é proposto como divinamente revelado quer pelo magistério solene da Igreja, quer pelo seu magistério ordinário e universal; isto é, o que se manifesta na adesão comum dos fiéis sob a condução do sagrado magistério; por conseguinte, todos têm a obrigação de evitar quaisquer doutrinas contrárias.

§ 2. Deve-se ainda firmemente aceitar e acreditar também em tudo o que é proposto de maneira definitiva pelo magistério da Igreja em matéria de fé e costumes, isto é, tudo o que se requer para conservar santamente e expor fielmente o depósito da fé; opõe-se, portanto, à doutrina da Igreja Católica quem rejeitar tais proposições consideradas definitivas.

Cân. 752 Não assentimento de fé, mas religioso obséquio de inteligência e vontade deve ser prestado à doutrina que o Sumo Pontífice ou o Colégio dos Bispos, ao exercerem o magistério autêntico, enunciam sobre a fé e os costumes, mesmo quando não tenham a intenção de proclamá-la por ato definitivo; portanto os fiéis procurem evitar tudo o que não esteja de acordo com ela.