O Papa é a cabeça visível desse Corpo, que tem Cristo como cabeça invisível. Por isso chamamos o Sucessor de Pedro de Vigário de Cristo. Vigário significado substituto.
Evidentemente, é possível a alguém que não esteja visivelmente no grêmio da Igreja alcançar a salvação. Mas tal se dá porque, apesar de não saber, esse não-católico é, sim, um membro da Igreja, por vários títulos. Na sua ignorância, se invencível - e isso só Deus pode julgar -, os pequenos e frágeis laços que o unem à Igreja Católica (batismo, traços de doutrina católica, sacramentos, Bíblia, cumprimento da lei natural etc) podem ser suficientes para torná-lo um membro invisível da Igreja visível, ou, como diriam o Cardeal Journet e o Cardeal Billot, participante da "alma da Igreja", ainda que não do corpo.
De qualquer modo, todos os que se salvam, se salvam por serem católicos. Mesmo que não saibam.
Ordinariamente, todavia, a submissão a Cristo implica na submissão ao seu Vigário, o Papa. A Unam Sanctam é clara nesse sentido, e a Dominus Iesus (como a Ut Unum Sint) desenvolvem essa doutrina mais explicitamente.
Se, por um lado, temos de cuidar para não cairmos no irenismo (Cristo salva independentemente da Igreja, todos são iguais, o que importa é ser bom e cristão), evitemos também o feeneyismo (confundir o "fora da Igreja não há salvação" como se fosse um "fora das estruturas visíveis da Igreja não há salvação").
Sendo a Igreja “projeto visível do amor de Deus pela humanidade” (Sua Santidade, o Papa Paulo VI. Discurso de 22 de junho de 1973), “coluna e sustentáculo da verdade?” (1 Tm 3,15), fundada por Jesus Cristo para, como instrumento do Espírito Santo, salvar e santificar os homens (cf. Concílio Ecumênico Vaticano II. Constituição Dogmática Lumen Gentium, de 21 de novembro de 1964, nº 8), fora da qual não há remissão dos pecados (cf. Sua Santidade, o Papa Bonifácio VIII. Bula Unam Sanctam, de 18 de novembro de 1302; Concílio Ecumênico Vaticano II. Constituição Dogmática Lumen Gentium, de 21 de novembro de 1964, nº 14; Catecismo da Igreja Católica, 846), há de se crer na absoluta necessidade de a ela pertencerem todos os seres humanos. Certo é, igualmente, que, em situações excepcionais, havendo ignorância invencível, pode o homem salvar-se fora da estrutura visível da Igreja, o que não significa possibilidade de salvação fora da Igreja mesma nem negação da visibilidade desta.
Dois erros devem aqui ser evitados.
Um, o de certa teologia irenista, presente, em maior ou menor grau, em alguns ambientes católicos, e que afirma indiscriminadamente que fora da Igreja há salvação, que o que interessa é ser cristão somente e não católico e, às vezes, nem cristão, bastando ter “caridade”, - como se a caridade não fosse ordinariamente fruto da fé –, que Cristo não teria fundado uma única Igreja, que o extra Ecclesia nulla salus teria sido revogado – como se fosse possível à doutrina católica mudar-se, evoluir –, que a unidade da Igreja teria sido perdida – se a unidade é essencial à Igreja, não pode tal nota ser perdida sob pena de deixar de subsistir a própria Igreja, o que, por sua vez, é igualmente impossível em face da promessa do Redentor –, que todos os caminhos levam a Deus etc. Certa falsa concepção do que seja ecumenismo, tal como entendido pelo Papa, adota esse irenismo, em si pernicioso, condenado pelo Vaticano II, por Paulo VI e por João Paulo II, e, antes, pela Encíclica Mortalium Animos, de Pio XI.
O outro erro é o do que interpreta restritivamente a expressão “fora da Igreja não há salvação”, entendendo-a como “fora das estruturas visíveis da Igreja não há salvação”. Essa falsificação do correto entendimento do brocardo foi igualmente rejeitada pela Igreja, sob o nome de feeneyismo, na Carta ao Arcebispo de Boston, de 8 de agosto de 1949. De fato, a Igreja rechaça tanto o irenismo – que crê na salvação fora da Igreja Católica – quanto o feeneyismo – que confunde a Igreja Católica, única e essencialmente visível (mas com possibilidade de membros invisíveis), fora da qual não há salvação, com sua estrutura de visibilidade. “Aqueles que crêem em Cristo e foram devidamente batizados estão constituídos em certa comunhão, embora não perfeita, com a Igreja Católica.” (Concílio Ecumênico Vaticano II. Decreto Unitatis Redintegratio, de 21 de novembro de 1964, nº 3)
“Os fiéis são obrigados a professar que existe uma continuidade histórica – radicada na sucessão apostólica – entre a Igreja fundada por Cristo e a Igreja Católica: ‘Esta é a única Igreja de Cristo (...) que o nosso Salvador, depois da sua ressurreição, confiou a Pedro para apascentar (cf. Jo 21,17), encarregando-o a Ele e aos demais Apóstolos de a difundirem e de a governarem (cf. Mt 28,18ss.); levantando-a para sempre como coluna e esteio da verdade (cf. 1 Tim 3,15). Esta Igreja, como sociedade constituída e organizada neste mundo, subsiste [subsistit in] na Igreja Católica, governada pelo Sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele.’ Com a expressão subsistit in, o Concílio Vaticano II quis harmonizar duas afirmações doutrinais: por um lado, a de que a Igreja de Cristo, não obstante as divisões dos cristãos, continua a existir plenamente só na Igreja Católica e, por outro, a de que ‘existem numerosos elementos de santificação e de verdade fora da sua composição’, isto é, nas Igrejas e Comunidades eclesiais que ainda não vivem em plena comunhão com a Igreja Católica. Acerca destas, porém, deve afirmar-se que ‘o seu valor deriva da mesma plenitude da graça e da verdade que foi confiada à Igreja Católica.’ Existe portanto uma única Igreja de Cristo, que subsiste na Igreja Católica, governada pelo Sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele... As Igrejas que, embora não estando em perfeita comunhão com a Igreja Católica, se mantêm unidas a esta por vínculos estreitíssimos, como são a sucessão apostólica e uma válida Eucaristia, são verdadeiras Igrejas particulares. Por isso, também nestas Igrejas está presente e atua a Igreja de Cristo, embora lhes falte a plena comunhão com a Igreja católica, enquanto não aceitam a doutrina católica do Primado que, por vontade de Deus, o Bispo de Roma objetivamente tem e exerce sobre toda a Igreja. As Comunidades eclesiais, invés, que não conservaram um válido episcopado e a genuína e íntegra substância do mistério eucarístico, não são Igrejas em sentido próprio. Os que, porém, foram batizados nestas Comunidades estão pelo Batismo incorporados em Cristo e, portanto, vivem numa certa comunhão, se bem que imperfeita, com a Igreja. O Batismo, efetivamente, tende por si ao completo desenvolvimento da vida em Cristo, através da íntegra profissão de fé, da Eucaristia e da plena comunhão na Igreja.” (Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé. Declaração Dominus Iesus, de 6 de agosto de 2000, nsº 16-17) “Os fiéis não podem, por conseguinte, imaginar a Igreja de Cristo como se fosse a soma – diferenciada e, de certo modo, também unitária – das Igrejas e Comunidades eclesiais; nem lhes é permitido pensar que a Igreja de Cristo hoje já não exista em parte alguma, tornando-se, assim, um mero objecto de procura por parte de todas as Igrejas e Comunidades.” (Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé. Declaração Mysterium Ecclesiae, in AAS 65, em 1973, nº 1)
Sobre o verdadeiro sentido do ecumenismo, ver o Decreto Unitatis Redintegratio, do Vaticano II, a Encíclica Ut Unum Sint, do Papa João Paulo II, e a Carta Communionis Notio, da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé.
4 comentários:
eeeee
Em suma: Nem grêmio (feeneyismo)nem inter (irenismo). rsrsrsrs
Olha, sua postagem é MARAVILHOSAMENTE esclarecedora diante do relativismo religioso que domina nossa sociedade, inclusive a maioria dos católicos (inclusive padres!) tem um pensamento de que "independente de religião, o que importa é DEUS" essa mentalidade ecumênica pós conciliar é herética e muito pouco combatida nos dias de hoje! Parabéns pela defesa da verdade.
Obrigado pelo esclarecimento, professor!
Postar um comentário