terça-feira, agosto 29, 2006

Democracia absolutista

Inegável que a democracia seja um valor. O erro moderno, contudo, é considerá-la valor absoluto, ao qual tudo o mais pode e deve ser sacrificado. Como toda idéia que tende a sobrepor-se à realidade, também a democracia corre o risco de tornar-se ideológica.

A análise dos fatos mais evidentes – e um mínimo de filosofia clássica, não sua deturpação sectária e iluminista ministrada em sala de aula, pode ajudar nesse sentido – fornece-nos um dado irrefutável: nem tudo é motivo de escolha, nem tudo deve ser eleito por uma maioria. Nisso está que a verdade, o bem, não são objetivos de pleito democrático algum!

Como a democracia, também a monarquia e a aristocracia são valores, segundo o esquema aristotélico-tomista. Livres somos para a adoção de um ou outro, bem como para mesclar as três formas ou duas delas. Equivoca-se o monarquista, v.g., quanto, tornando sua opção valor supremo, único, acaba defendendo a monarquia absolutista. Do mesmo modo, a democracia pode ser degenerada, convertendo-se em algo como uma “democracia absolutista”. Na monarquia absoluta, confere-se ao soberano poder de decisão sobre todas as coisas, colocando-o acima da moral e do direito. Algo semelhante ocorre com a mania contemporânea de endeusar a democracia: dá-se ao povo condições de decidir, de modo absoluto, sobre o bem e o mal, e, com isso, corrompe-se o valor, originalmente bom.

Serve a democracia para a escolha de governantes e representantes. Aí, sim, ela cumpre seu papel – que, aliás, não é único, dado que as demais formas políticas são igualmente válidas. Criamos um monstro quando o princípio democrático é transportado para outros campos, e, de relativo, seu valor torna-se absoluto. A maioria da população não tem direito algum de, por eleição, legitimar atos contra a verdade. A mentira não se muda em verdade por vontade popular. O erro não se transforma em direito. A democracia não tem, pois, o condão de autorizar, nem por unanimidade, o homicídio, o furto, o estupro.

Pelo mesmo viés, não compete ao povo nem ao Parlamento, no qual se assentam seus representantes, aprovar normas permissivas ao aborto, ao extermínio de embriões humanos, à eutanásia, ao confisco da propriedade privada, à impossibilidade – via desarmamento – do exercício da legítima defesa.

Todo o poder emana do povo? Todo? Para Heinz Krekeler, a soberania popular absoluta é uma tese jurídica perigosa, pois, a prevalecer, insinuaria que o povo (ou o Parlamento) poderia decidir acabar com a própria soberania popular, substituindo-a pela tirania aceita pela maioria. A democracia absoluta tem o poder de extinguir a democracia em si.

Se o monarca deve respeitar uma ordenação maior, sob pena de instaurar um regime absolutista, também na democracia a lei natural e a moral precisam ser observadas. Deputados, presidentes, prefeitos podem ser escolhidos pelo voto. Nunca os conceitos de verdade, de ética, de bem. Estes são pontos a guiar nossas escolhas, e não objetos das mesmas, descartáveis conforme a opinião das massas. Ainda que todos queiram o erro, não tem ele direito a triunfar!

Cân. 750 – § 1. Deve-se crer com fé divina e católica em tudo o que se contém na palavra de Deus escrita ou transmitida por Tradição, ou seja, no único depósito da fé confiado à Igreja, quando ao mesmo tempo é proposto como divinamente revelado quer pelo magistério solene da Igreja, quer pelo seu magistério ordinário e universal; isto é, o que se manifesta na adesão comum dos fiéis sob a condução do sagrado magistério; por conseguinte, todos têm a obrigação de evitar quaisquer doutrinas contrárias.

§ 2. Deve-se ainda firmemente aceitar e acreditar também em tudo o que é proposto de maneira definitiva pelo magistério da Igreja em matéria de fé e costumes, isto é, tudo o que se requer para conservar santamente e expor fielmente o depósito da fé; opõe-se, portanto, à doutrina da Igreja Católica quem rejeitar tais proposições consideradas definitivas.

Cân. 752 Não assentimento de fé, mas religioso obséquio de inteligência e vontade deve ser prestado à doutrina que o Sumo Pontífice ou o Colégio dos Bispos, ao exercerem o magistério autêntico, enunciam sobre a fé e os costumes, mesmo quando não tenham a intenção de proclamá-la por ato definitivo; portanto os fiéis procurem evitar tudo o que não esteja de acordo com ela.